Conto - Um Pedido de Natal.



Saudações visitante do Prisioneiro!!!
Véspera de Natal, correria com presentes, cozinha anarquizada por causa da comilança para a ceia, casa cheia de gente querida que só se lembra da gente no final do ano, uma beleza!!!
Pois é, por mais macabro que eu possa ser faço votos para que seu Natal seja repleto de todo aquele blá blá blá natalino de sempre.
Mas vamos ao que interessa: ao conto da vez.
Como é Natal nada mais justo do que escrever algo relacionado à data ok? Pois é, a história de hoje se refere ao tema e espero que lhe agrade.
Um grande abraço e Feliz Natal!!!!

- Maldita velha estúpida. – Jaques praguejava ante a presença daquela que entra e sai de sua casa como e quando bem entende, assemelhando-se a uma alma penada.
A infeliz tinha até mesmo, por obra de sua esposa, as chaves da casa, de forma que seu acessa à ela se dava quando bem entendia.
- Encosto miserável, qual será o fim disso? – ele prosseguiu com seus resmungos enquanto ouvia o enervante som dos pés achinelados se arrastando pelo corredor da casa.
Aquele ar de coitadinha o enojava, ele sabia que aquela era a arma que ela usava para ludibriar as pessoas, fazendo-as acreditar que era uma pessoa bondosa.
Mas ela não o enganava. Por diversas vezes já a ouvira praguejando contra ele. Seu sangue fervia e o ímpeto de trucidá-la. Só não punha fim à vida dela com as próprias mãos por conhecer o desfecho infeliz de tal atitude.
O casamento que tinha tudo para ser feliz era dilapidado a cada dia ante a constante presença daquela mulher que desconhecia seu lugar na existência: a sogra.
O único motivo pelo qual se desentendia com a esposa eram as atitudes daquela maldita mulher. E a cada dia as palavras proferidas criavam cicatrizes que jamais seriam apagadas. Aquilo deveria ter um fim.
Abandonada pelo marido e incapaz de encontrar alguém que suportasse suas manias irritantes e deseducadas, a infeliz parecia então se dedicar a assombrar a vida dos filhos diante da ausência de uma vida própria. Por que não seguir sua própria vida, não traçar breves sonhos para os anos que lhe restavam? Não, ela preferia se encostar nos filhos e tornar a vida de seus cônjuges um inferno.
Havia outros filhos, dois, mas que não possuíam a complacência da primogênita em relação aos chiliques da velha, de forma que ela se tornava o único alvo, era a única a suportá-la. Seus demais filhos sabiam fazê-la pôr-se em seu lugar.
- Por que ela não, simplesmente, morre? Por que não nos deixa em paz? – ele argumentava consigo mesmo. Mas logo em seguida era tomado pelo remorso ao imaginar a tristeza que se abateria sobre a esposa e os filhos diante de trágico acontecimento. Ainda conseguia ser altruísta o suficiente, mesmo diante de tão grandioso tormento.
Já tentara conversar com a esposa sobre a situação, mas ela havia sido criada de maneira a endeusar aquela que lhe dera a vida, e por maiores que fossem as atitudes desvairadas da velha insana, tudo era aceito passivamente. Era evidente que a preferência era dada para aquela mulher. Se alguém tivesse que deixar a casa, não seria a sogra.
O que ele poderia fazer? Não suportava mais aquele tormento, mas abandonar a esposa e os filhos estava totalmente fora de cogitação. Havia de existir uma solução.
Enfim chegou o final do ano e Jaques logo receberia um presente natalino jamais imaginado: todos viajariam por quase um mês, iriam para a praia, de forma que ele finalmente poderia usufruir de um pouco de solidão. Não que a presença da esposa e dos filhos o incomodasse, o problema era que junto com eles o encosto também se fazia presente, e isso transtornava seu humor de tal forma que nem mesmo ele se suportava.
Todos estariam felizes: esposa e filhos curtindo uma praia e ele curtindo sua solidão. Perfeito.
- Finalmente, terei um pouco de paz. – ele comemorava consigo mesmo enquanto degustava um cigarro ao ver o carro partir. _Finalmente.
Mas não apenas a solidão que se iniciava lhe enchia o coração de tranqüilidade, mas os planos que tinha para os dias que se seguiam faziam com que uma indisfarçável alegria lhe preenchesse o ser.
Um sorriso maquiavélico estampou a face enrugada da odiosa mulher, como se ela fosse a vitoriosa naquele embate silencioso. Ela mal sabia o que a aguardava. Na verdade Jaques era um estudioso dos mistérios ocultistas e acreditava ter descoberto uma maneira de encontrar a felicidade que tanto procurava: sem a existência daquela criatura odiosa.
Ela o olhava de esgueio, como a provocá-lo.
“Estou com sua família, e você, sozinho. Traste inútil.” – Jaques parecia ouvir os pensamentos da miserável, e aquilo o enraivecia.
Mas era melhor assim, ao menos não haveria aborrecimento algum. A esposa e os filhos curtindo uma praia e ele livre daquela praga.
A grande maioria das pessoas se entristeceria diante da perspectiva de passar as festas sozinho, mas o caso específico de Jaques era diferente. Ele estava feliz. Saudoso pela presença da esposa e dos queridos filhos, mas distante da amaldiçoada alma penada.
Uma semana se passara e Jaques se dedicava aos prazeres simples que o alegravam: assistir à televisão, ouvir música, ler, jogar no computador e coisas triviais.
A véspera de Natal então chegou e Jaques felicitou a esposa e os filhos através de um emocionado telefonema. Todos estavam bem e felizes, isso era o importante.
Deitado em sua espaçosa cama ele apreciava um programa qualquer na televisão, já um pouco inebriado pela dose de vodka que preguiçosamente sorvia.
Véspera de Natal, uma data sagrada para milhões de pessoas devido ao nascimento de Jesus Cristo, a data perfeita para ele evocar as forças da escuridão.
No quarto dos fundos realizou os preparativos para o ritual: traçou no chão, com sangue de origem desconhecida, um símbolo ocultista que os conhecedores acreditavam ser bastante poderoso, acendeu velas negras e, empunhando um obscuro livro, ajoelhado, passou a proferir palavras em um idioma tão antigo quanto a humanidade.
A escuridão só não era total graças à débil luz das velas, e mesmo com o cômodo todo fechado, as chamas bruxuleavam a cada palavra proferida.
Meia-noite. As pessoas compadecidas com a data do nascimento do salvador e Jaques estava mergulhado em meio às forças das trevas.
Um estrondo se ouviu nas paredes, como se toda a casa fosse sacolejada por uma bomba e grunhidos medonhos se fizeram ouvir. O medo tomou conta de seu espírito, mas ele se mantinha firme em seu propósito, não podia fraquejar.
Jaques mentalizou seu pedido: manter aquela pessoa que tanto mal lhe fazia distante dele e de sua família para que ele pudesse enfim ter paz. Mentalizou com toda sua força. Já que Deus não atendia seus pedidos, que a Escuridão se encarregasse disso.
Repentinamente todas as velas se apagaram e um profundo silêncio se fez.
Estava feito.
Teria ele seu pedido atendido?
Jaques solenemente se retirou do local e voltou ao seu deleite solitário: assistir televisão e sorver alguma bebida.
No dia seguinte ele se encarregaria de desfazer a arrumação.
Devido ao avançado da hora, e às doses de vodka, ele quase se entregava ao sono quando seu sossego foi interrompido: batidas à porta.
- Maldição, quem pode ser? – ele praguejou levantando-se dolorosamente, como se ali estivesse deitado há anos.
Com o semblante de quem estivesse prestes a ser enforcado: inevitavelmente mandaria a pessoa para o inferno.
Jaques abriu a porta e se deparou com o nada. Rua vazia e silenciosa onde a monotonia era quebrada pelo incessante pisca-pisca dos enfeites natalinos a decorar a casa vazia dos vizinhos.
Forçou os olhos procurando pelo visitante indesejado, mas não havia ninguém.
- Melhor eu parar de beber, to ficando meio doido já. – concluiu ele com a voz um pouco arrastada.
Um morno vento atingiu sua face e ele contemplou a bela lua cheia que clareava a noite especial, deixando um profundo suspiro escapar-lhe do peito.
Não haveria comida especial, abraços e presentes. Mas o maior de todas as dádivas ele já adquirira, mesmo que por alguns dias: estar longe daquela velha maldita.
- Pois é Jaques, Feliz Natal. – ele felicitou a si mesmo, desanimado pela ausência de seus entes queridos, que se sobrepôs à alegria que o acompanhava nos últimos dias.
Tranquilamente ele fechou a porta e deu de ombros para aquele vazio que lhe tomara o peito. Afinal, quem se importava se ele estava sozinho?
Ele se voltou rumo ao quarto que o esperava e seu desânimo era tamanho que ele sequer teve forças para tentar se desvencilhar da enorme criatura que saltou enfurecida sobre ele.
Ainda que desejasse, jamais poderia lutar contra a besta que o aprisionava contra o chão. Olhou dentro deu seus olhos e uma indizível maldade pôde ser percebida: aquela criatura só podia ter saído das profundezas do inferno. Teria ele, com o ritual, aberto alguma espécie de passagem para o mundo das trevas?
Não houve tempo para conjecturas, não poderia encontrar a resposta.
Jaques ouviu seus ossos estalarem e sentiu seus músculos serem cortados com o fechar das grotescas mandíbulas da criatura. Jamais sentira uma dor quando aquela!!!
À sua mente veio apenas o sorriso inocente dos filhos e da esposa, suas únicas alegrias, seus únicos amores, os únicos com quem ele se importava.
“Ao menos eles não estão aqui, estão felizes, estão salvos” – ele pensou entendendo que sua morte era certa – “Só é uma pena que a velha desgraçada não esteja, adoraria assistir essa besta devorando-lhe as entranhas ainda viva”.
Jaques tivera seu pedido atendido, não da maneira como esperava que acontecesse, mas finalmente ele estaria livre da sogra, estaria feliz, e não mais atormentaria seus entes queridos com seu mau humor.
Jaques finalmente encontraria a tranqüilidade que tanto procurava, mesmo que no inferno.


Um comentário:

  1. é preciso tomar cuidado com os pedidos que se faz né? uahauhauah
    ótimo conto! estou seguindo o blog!
    se quiser, acesse meu blog de arte obscura http://artegrotesca.blogspot.com

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